segunda-feira, 28 de junho de 2010

Não deixe o samba morrer...




Amigos,

depois de muito tempo sem postar qualquer música, hoje, eu trago duas bandas. Arranco de Varsóvia e Sururu Na Roda.

Essas duas novas bandas de samba são fantásticas. Primeiro, elas foram responsáveis pela "retomada" (deixo em aspas, porque me perguntou se um dia o samba esteve em baixa) do samba. O grande e reconhecido trabalho deles foi fazer a releitura dos grandes sambas. Apresentando com uma abordagem muito própria, antigos e novos sucessos, desde Cartola, Geraldo Pereira, Paulinho da Viola e muitos outros. Segundo, e agora eu falo especificamente do Sururu Na Roda, eles contribuíram com a volta da Lapa ao circuito carioca. Hoje, eles se apresentam mensalmente (creio eu) no Centro Cultural Carioca, na Praça Tiradentes (Imperdível!).

Voltando à música... O Arranco de Varsóvia teve inspiração nas bandas de samba das décadas de 30 e 40, como Bando da Lua e Anjos do Inferno. Esses grupos eram, principalmente, vocais, que marcaram profundamente a música brasileira nesse período. Quanto ao Sururu Na Roda, valorizam os diferentes estilos musicais brasileiros, desde o samba, principalmente, ao maxixe e ao baião.

Para aqueles que gostam de samba, ou que gostam de música brasileira, ou que querem conhecer algo novo, esses dois grupos são maravilhosos! Fica como indicação os cds: Samba de Cartola, do Arranco; e Que Samba Bom, do Sururu.

Para fechar, em homenagem ao samba, Noel Rosa:

Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Shantih



Mais uma contribuição de outro que, assim como nós, não tem mais o que fazer... novamente, Daniel Torres.

Em 1796 Goethe publicou Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, o que pode ser dado como o marco fundamental para o chamado romance de formação. Da criança ao homem, vemos todos os eventos capitais de uma vida, suas lições. Tende então esse gênero ao moralismo ou ao didatismo. Nada muito atrativo. Claro, existem exceções; e, dentre elas, Hermann Hesse.
Escreveu Sidarta com base nas experiências que teve de uma viagem à Índia, do contato que teve com os textos da filosofia indiana que adquiriu de seu avô indólogo. Em si, essa adição do cabedal à experiência não renderia uma novela indiana – o que não mereceria qualquer préstimo. Valem como um contexto para a densidade, poesia e beleza que Hesse dá a este texto surpreendente
A estória é homônima do protagonista, Sidarta, um filho de brâmane que decide chegar à iluminação, transcender às aparências do mundo – romper o véu de maia como dizem os hindus. De início, ele decide viver com os samanas, os homens santos da índia, buscando a iluminação na ortodoxia hindu. Não se satisfaz, procura um novo mestre. Ninguém menos que o outro Sidarta: Sidarta Gotama, o Buda. Sai de sua tutela, entende que ninguém pode chegar ao momento da iluminação do Buda.
Daí em diante os mestres são vários como as facetas da experiência humana: um comerciante, uma concubina, um barqueiro, um rio. De todos eles Sidarta busca aprender algo. Em todos há um aprendizado, uma nova perspectiva, como em todas as experiências da vida humana. Em cada perspectiva que aparece vemos uma nova linha do contorno da verdade sendo moldada. Cada momento em Sidarta é de uma energia quase vital.
Se a estória é poética em todos os momentos, é talvez por dar um pouco da beleza contraditória da existência. Se a cada momento ensina, é porque cada momento justifica todos os antecedentes. Ao fim, não podemos fazer nada senão sentir uma grande vibração no corpo que não é senão a vibração paradoxal de uma inquieta paz. Quando do fim da última linha, só podemos ver ante nós, leitores estupefatos e maravilhados, a imagem de um velho com um sorriso discreto e intenso. Este sorriso é o convite que Hesse, este homem que foi destinado a escrever sobre a viagem do indivíduo, nos faz a iluminação pessoal.

Sidarta
Hermann Hesse
Editora Record

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O texto a seguir traduz bem o dilema que muitas pessoas passam sobre o tempo, a vida em geral. Quem de nós nunca refletiu sobre “estou aproveitando a minha vida”? Ou sobre “o que vai ser do meu futuro”? A dicotomia entre presente e futuro preocupa muitos de nós, jovens. E com a idade, parece que a preocupação só aumenta.
O autor Robert Wong é um palestrante considerado um dos mais inspiradores e requisitados do mercado. Espero que gostem e reflitam um pouquinho sobre isso. Um tema talvez já cliché, mas nunca esquecido.

SOBRE O TEMPO

“Todo tem apenas 24 horas por dia, nem mais nem menos. A diferença está em como você usa essas 24 horas.
De nada adianta ter saúde (física, mental e espiritual) e não ter tempo para aproveitá-la. O tempo, essa moeda comum a qualquer ser humano, independente da classe social, também respeita a trilogia do presente, passado e futuro. Todo tem 24 horas por dia, nem mais nem menos. A diferença está em como você usa essas 24 horas.

A civilização ocidental abandona, perigosamente, o próprio presente. Você é filho de uma civilização que submete as pessoas a resultados. O sistema de produção capitalista ajudou a humanidade a dar um tremendo salto. Gerou superávits em várias áreas. Teve mais acertos que erros, o que consolidou a fé no sistema, que se baseia no planejamento, na projeção futura, na aferição de resultados.

Felicidade gera resultados
O sistema capitalista nos condiciona a conseguir resultados primeiro para ser feliz depois. Consequência: você vive tão pressionado por resultados que perde contato com o presente. Deixa escapar sua alma infantil e se entrega à angústia do futuro. Ou aos pesadelos do passado.

Mas o contrário é que é verdadeiro. São pessoas felizes que geram resultados. Felizes, vinculamo-nos uns aos outros e ampliamos nossa criatividade e competitividade. Com pouco, fazemos muito. E muito com qualidade.

Para recuperar o presente, você deve estar consciente de que o tempo disponível em sua vida vem em pacotes fixos. Cada minuto conta. Nosso tempo é limitado e o tempo perdido não se recupera. Não se pode “economizar” o tempo. Ele é instantâneo e passa.
Quando somos crianças, nos entregamos ao tempo presente. Você se lembra? É o período de maior acumulação de conhecimento de nossas vidas. Se você já se esqueceu de quando era criança, observe qualquer menino ou menina. O tempo não passa para as crianças. Porque elas estão concentradas no presente. Apenas no presente. A ponto de Jesus ter dito, no tempo presente, “é das crianças o reino dos céus”.

A partir da adolescência, abrimos mão do paraíso terrestre. Você começa a cristalizar sua visão de mundo. Antecipa e deseja os vários paraísos possíveis. E acaba trazendo para a sua vida os vários infernos possíveis. O espectro do futuro começa a fazer sombra em seu dia-a-dia. A preocupação se instala. Mas preocupar-se é ocupar-se antes do tempo. É sofrer por antecipação. E ao se ocupar de uma situação que, se ocorrer, será apenas no futuro, você sofre hoje, gastando um tempo precioso. Um tempo perdido e irrecuperável.


O símbolo do Infinito
Todos são familiarizados com o símbolo do infinito, representado como se fosse um número “8” deitado. A esquerda representa a eternidade do nosso passado e a direita a eternidade do nosso futuro. Olhando bem, os dois lados são espaços “vazios”, pois são tempos que não podem ser vividos – o da esquerda já aconteceu e o da direita pode ser que nem aconteça.
O que existe de concreto é o ponto de cruzamento dos dois arcos – a eternidade do momento presente, que é uma dádiva, uma jóia – onde as coisas de fato acontecem, onde a vida é efetivamente vivida. É a única realidade. O danado da coisa é que, ao invés de viver o presente em sua totalidade, desperdiçamo- lo pensando ou no passado ou no futuro, ou seja, ficamos naqueles espaços vazios. Não se pode pensar o presente; ele só pode ser vivido no presente, nem antes nem depois, e de preferência com equilíbrio. Isso dá sentido à nossa vida.
Conforme dizem, os jovens vivem, dentro da normalidade, pensando no futuro e os idosos revivendo o passado. Na coletividade humana, o grupo mais sustentavelmente feliz é o das crianças, pois vivem o presente, sem as ocupações do passado nem as preocupações do futuro. Também os namorados e os apaixonados (não necessariamente só pela pessoa amada, mas os apaixonados pela sua missão de vida, pela vocação), pois voltam a ser crianças; até falam e agem como tal. Pelo comportamento, pelo entusiasmo e pela forma de comunicação são como crianças… mais uma demonstração da importância de resgatar o nosso lado criança dentro da trilogia essencial.

O passado e o futuro são importantes à medida que usamos o presente para:
- Aprender as lições deixadas pelo passado (tantas as nossas como as dos outros) e reparar as falhas ou preencher as lacunas ou realizar as coisas que não podíamos ou não queríamos fazer no passado;
- Planejar e preparar o caminho/terreno e realizar as tarefas/atividades para ter um futuro melhor e mais promissor para nós e para os outros.
Lembre-se: a sua cota de tempo enquanto vivo, seja qual for o período que fique entre nós, é limitada. O tempo que perde em antecipações inúteis é jogado fora. Sem chances de recuperar.

As expressões típicas da juventude, que se alastram pela idade adulta, são: “quando eu conseguir meu primeiro emprego…”, ou “quando eu sair de casa…”, ou ainda, “quando eu me formar…”. Você vive virtualmente no futuro. Mas sofre ou é feliz, concretamente, aqui, no presente. À medida que envelhece, você muda também seu relacionamento psicológico com o tempo. Surgem as lembranças: “na minha época era diferente…” ou “quando eu era jovem…”. De novo, gasta energia emocional e desperdiça seu precioso tempo de vida. Vive no passado.

A razão é simples. Tudo o que aconteceu no passado só faz sentido se você puder utilizar como sustentação de suas ações no presente. Ao recuperar e usar o conhecimento, a experiência e a sabedoria acumulados, você amplia suas chances hoje.
Mas viver de bravatas e de registros de sucesso no passado vira perda do tempo presente. O que diminui seu potencial e sua eficiência para superar suas dificuldades.

Quando você perde o foco no presente, investindo seu tempo em memórias ou antecipando dificuldades futuras, diminui a capacidade de superar seus desafios no presente.

Há um ditado popular chinês que sabiamente afirma:
- Seu problema tem solução?
Então por que se preocupar?
- Seu problema não tem solução?
Então por que se preocupar?”

Por Robert Wong

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Brasil 70



Há 40 anos atrás, o Brasil se tornava tricampeão mundial de futebol. Para uma justa homenagem e para nos dar boa sorte, nada melhor que: Armando Nogueira.

México 70

E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.

Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.

E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campo para protegê-lo, coitado dele. Coitado, também, de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sombrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.

O campo do Azteca, nesse momento, é um manicômio: mexicanos e brasileiros, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria.

Agora, quase não posso ver o campo lá embaixo: chove papel colorido em todo o estádio. Esse estádio que foi feito para uma festa de final: sua arquitetura põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, aqui, no Azteca, toma emprestado à corrida de touros.

Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito Mundial que meus olhos jamais sonharam ver. Pela correção dos atletas, que jogaram trinta e duas partidas, sem uma só expulsão. Pelo respeito com que cerca de trezentos profissionais de futebol se enfrentaram, músculo a músculo, coração a coração, trocando camisas, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em Munique 74.

Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, amanhã, os heróis do Mundial de 70 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria do jogo. Mas final é assim mesmo: as táticas cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de finais e, em nenhuma delas, falou-se de estratégias. Final é sublimação, final é pirâmide humana atrás do gol a delirar com a cabeçada de Pelé, com o chute de Gérson e com o gesto bravo de Jairzinho, levando nas pernas a bola do terceiro gol. Final é antes do jogo, depois do jogo — nunca durante o jogo.

Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um gol, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.

Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância.

A taça de ouro é eternamente tua, amiguinho.

Até que os deuses do futebol inventem outra
.

sábado, 19 de junho de 2010

As Intermitências da Morte

Copiando as palavras do Fernando Meirelles: “Hoje o mundo ficou mais burro e mais cego”. É exatamente assim que me sinto com a morte de José Saramago. Amado por muitos e odiado por milhares, ele foi um dos melhores escritores que eu já li (talvez o melhor? Pode ser). Obviamente, devido às circunstâncias, eu não vou falar sobre ele. Basta, para quem quiser saber sobre sua vida, abrir qualquer site de informação.

Vou aconselhar um dos mais brilhantes livros que já li. “As Intermitências da Morte”, José Saramago. Como esse livro é muito maior do que tudo que poderia aqui escrever, vou transcrever as primeiras três frases do livro, para que vocês sintam a genialidade, a solidez e a inigualável criatividade do autor português.

No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma pertubação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar”.

As Intermitências da Morte
José Saramago
Companhia das Letras

Vou deixar aqui, um curta-metragem espanhol sobre um conto infantil do Saramago. Pediria a todos que vissem e que mostrassem aos amigos, pais e quem mais for interessante. Vejam e entenderão porque.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Coração das Trevas



Nossa primeira contribuição: Daniel Torres.

ESCRITA DA PENUMBRA E DA SOMBRA

O que marca o conceito de estória heróica? Bom, não se pode negar que podemos perceber em todas uma noção de grandeza: os cenários trazem sempre a dimensão da imensidão, há uma grande dificuldade na tarefa a ser realizada, que por sua vez é dotada de intentos expressamente nobres, há um grande senso moral nos protagonistas, vemos o conflito contra aquilo considerado vil e desprezível.

Coração das Trevas de Joseph Conrad deve ser entendido como um, a seu modo. O narrador, Marlow, conta sua experiência na floresta equatorial africana. Trabalha para uma empresa colonial de transportes fluviais. Sua função: fazer a ligação entre as feitorias e entrepostos da grande missão civilizadora da Europa. Um trabalho digno, nobre como a luz da civilização européia.

A história vai mais a mais que esse heroísmo cotidiano, tanto quanto vai mais ao fundo da selva. Marlow é um dos que devem procurar o entreposto perdido de Kurtz. Um farol da Europa no coração selvagem da África, missionário na grande selva que parece sugere o infinito na sua escuridão – civilizando por o marfim. O Encontro de Marlow com Kurtz, diga-se de passagem, é um momento ímpar.
Tanto quanto o fim, o caminho é surpreendente. Conrad descreve suas paisagens e personagens com tal esmero, com tal habilidade na descrição dos objetos e das cores, que o leitor fica enervado – Seus textos são quase associações entre a literatura e a pintura. Conquanto o barco monta o rio estamos indo cada vez mais fundo para o coração da escuridão – do crepúsculo do início da estória até seu fim. A imensidão da paisagem que vemos (lemos?) é a da floresta monumental, mas opressiva, úmida, fatal, enlouquecedora. Sua descrição não traz só cores e sombras, nos faz ouvir o bater selvagem dos tambores, os nativos, com seus gritos e ululos. A nobreza da missão é a mais sincera possível, é a nobreza da civilização burguesa; a caridosa missão da civilização não se poupa do uso da barbárie – uma vila é dizimada por nada, por galinhas. Ensina-se a um nativo a operar uma caldeira dizendo-lhe que ela é um deus. Tudo que é tratado por humano – entenda-se aqui por europeu – é imoral, cínico ou hipócrita – todos são postos na penumbra. A luta contra o vil aqui é a luta contra o bárbaro, ou seja, a luta contra o impotente, contra o fraco – uma luta de resultados óbvios, mas que não se isenta de esmerar a si em horror.

A estória só caminha para as trevas porque quer chegar àqueles lugares onde age aquele anverso da alma que nosso frágil pudor não cansa de declarar, mas detesta encarar. Estamos aqui diante do mais poderoso relato sobre a amoralidade humana. Heart Of Darkness atinge o íntimo de nosso senso moral, brinca com os sentidos pela plasticidade, força e precisão de suas descrições. Um experiência moral, sensorial, intelectual – Real!
O Horror! O Horror!

Coração das Trevas (Ed. de Bolso)
Joseph Conrad
Companhia de Bolso (Cia. das Letras)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Pensamento... (2)



"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."

Fernando Pessoa
Poesia Completa de Alberto Caeiro

Imagem: Marc Chagall, La fenêtre sur l'Île de Bréhat (1924)

domingo, 6 de junho de 2010

100 Anos de Solidão



Hoje trago-lhes um clássico, uma leitura obrigatória: Cem Anos de Solidão.

Obra de Gabriel Garcia Marquez, que entra na minha lista de maiores escritores do mundo, considerada uma das obras mais importantes da literatura latino-americana e que so aumenta seu numero de adoradores pelo mundo afora. A obra envolve elementos mágicos e estranhos, realismo e uma profunda preocupação estilistica. Não sou nenhuma literária para fazer uma avaliação profunda, mas deixo aqui minha admiração pelo autor e suas obras.

Vamos ao resumo: O livro conta a história de Macondo, uma cidade mítica, e a dos descendentes de seu fundador, José Arcadio Buendía, durante um século. Todos em luta contra uma realidade truculenta e excessiva, sempre a beira da destruição. Sim, acabo o resumo por aqui. Alguns falam que é necessário ler o livro com um caderninho do lado para traçar a árvore genealógica da família Buendia e entender melhor a história, pois os nomes se repetem bastante ou são bem parecidos, mas se vc prestar bem atenção e trabalhar a sua memória não será necessário. As características das personagens se repetindo de acordo com seus nomes, os acontecimentos místicos, as guerras e os amores, sao alguns elementos dessa obra indescritível. Friso o final. O livro e' longo, talvez alguns se cansem, mas o final vale a pena. Como dizia um professor, "so acaba quando termina", literalmente.


Boa semana para todos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Feitio de Oração



Aproveitando o nome da canção do Noel (Salve Noel!), eu vim mostrar um dos meus discos preferidos: My Funny Valentine, de Chet Baker. Já que meu último post foi sobre um livro que fazia dele personagem, por que não mostrar um cd dele?

Esse disco mostra não somente ele no trompete, como mostra ele cantando. Daí vem o nome do post, seu canto é melodioso, é tom menor, como li certa vez, parece uma oração, um sussurro ao pé do ouvido. Não sei o que é melhor ele cantando ou tocando. Os dois! Atenção a canção que dá nome ao disco. Ela já é bastante conhecida, mas foi com a interpretação de Chet que ficou notoriamente conhecida. É difícil dar atenção somente a essa canção, o resto também é fabuloso. Viva Chet!

No Rastro de Chet Baker



Não me lembro de como eu descobri esse livro, se flanando pela Travessa ou pelo site deles, mas descobri. E como, agora ainda mais, fico feliz de tê-lo feito. Somam-se duas coisas nesse livro que eu adoro: ficção policial (!!) e jazz (!!!!). Conseguindo ser assim, fantástico! Como disse a crítica da Publishers Weekly: “Moody mistura lendas do jazz a seus personagens numa excelente história policial. E o que é melhor: consegue atingir uma intensidade perfeita escrevendo sobre música de maneira maravilhosa”.

Sobre a história: Evan Horne, pianista de jazz e detetive amador, durante sua estada em Londres encontra com um velho amigo que o convida a fazer a biografia de Chet Baker. Ele se nega e vai para Amsterdã, onde, por acaso, fica no mesmo hotel onde Chet morreu. Assim, ele, pouco a pouco, vai seguindo o rastro e os últimos dias de Chet, na busca de encontrar seu velho amigo que desapareceu depois do encontro em Londres.

Sabe aqueles livros que você lê, sabendo que não será nenhum Saramago nem um daqueles livros de banca de jornal? Esse é um deles, é bem interessante, leve e fácil de ler, passa muito bem o tempo e faz você curtir jazz e policial! Vale a pena! Existe um outro livro do mesmo autor nesse estilo, abordando outro grande nome do jazz, Charlie “Bird” Parker. Ainda não li, mas deve ser tão interessante quanto esse.

Só pela curiosidade: Chet Baker morreu em 1988, em Amsterdã, ao cair da janela de seu hotel. Ninguém conseguiu, até hoje, explicar o ocorrido. Uns acreditam no que talvez seja o mais provável: de que ele estava drogado e caiu. Outros, mais conspiracionistas, acreditam que ele tenha sido assassinado, empurrado janela fora. E outros ainda, acreditam que ele tenha se matado. O que realmente importa, é que nesse dia o jazz perdeu um dos seus grandes nomes. E eu, um dos meus favoritos.

No Rastro de Chet Baker – Um caso de Evan Horne
Bill Moody
Jorge ZAHAR Editor