domingo, 3 de outubro de 2010

Pensamento... (8)

"A idéia do eterno retorno é uma idéia misteriosa, e uma idéia com a qual Nietzsche muitas vezes deixou perplexos outros filósofos: pensar que tudo se repete da mesma forma como um dia o experimentamos, e que a própria repetição repete-se ad infinitum! O que significa esse mito louco?

De um ponto de vista negativo, o mito do eterno retorno afirma que uma vida que desaparece de uma vez por todas, que não retorna, é feito uma sombra - sem peso, morta de antemão; quer tenha sido horrível, linda ou sublime, seu horror, sublimidade ou beleza não significam coisa alguma. Uma tal vida não merece atenção maior do que uma guerra entre dois reinos africanos no século XIV, uma guerra que nada alterou nos destinos do mundo, ainda que centenas de milhares de negros tenham perecido em excruciante tormento.

Algo se alterará nessa guerra entre dois reinos africanos do século XIV, se ela porventura repetir-se sempre, retornando eternamente?

Sim: ela se tornará uma massa sólida, constantemente protuberante, irreparável em sua inanidade.

Se a Revolução Francesa se repetisse eternamente, os historiadores franceses sentiriam menos orgulho de Robespierre. Como, porém, lidam com algo que jamais se repetirá, os anos sangrentos da Revolução transformaram-se em meras palavras, teorias e discussões; tornaram-se mais leves que plumas, incapazes de assustar quem quer que seja. Há uma diferença infinita entre um Robespierre que ocorre uma única vez na história e outro que retorna eternamente, decepando cabeças francesas.

Concordemos, pois, em que a idéia do eterno retorno implica uma perspectiva a partir da qual as coisas mostram-se diferentemente de como as conhecemos: mostram-se privadas da circunstância atenuante de sua natureza transitória. Essa circunstância atenuante impede-nos de chegar a um veredicto. Afinal, como condenar algo que é efêmero, transitório? No ocaso da dissolução, tudo é iluminado pela aura da nostalgia, até mesmo a guilhotina.

Não faz muito tempo, flagrei-me experimentando uma sensação absolutamente inacreditável. Folheando um livro sobre Hitler, comovi-me com alguns de seus retratos: lembravam minha infância. Eu cresci durante a guerra; vários membros de minha família pereceram nos campos de concentração de Hitler; mas o que foram suas mortes comparadas às memórias de um período já perdido de minha vida, um período que jamais retornaria?

Essa reconciliação com Hitler revela a profunda perversidade moral de um mundo que repousa essencialmente na inexistência do retorno, pois, num tal mundo, tudo é perdoado de antemão e, portanto, cinicamente permitido.

Se cada segundo de nossas vidas repete-se infinitas vezes, somos pregados à eternidade feito Jesus Cristo na cruz. É uma perspectiva aterrorizante. No mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. É por isso que Nietzsche chamou a idéia do eterno retorno o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht).

Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza.

Mas será o peso de fato deplorável, e esplêndida a leveza?

O mais pesado dos fardos nos esmaga; sob seu peso, afundamos, somos pregados ao chão. E, no entanto, na poesia amorosa de todas as épocas, a mulher anseia por sucumbir ao peso do corpo do homem. O mais pesado dos fardos é, pois, simultaneamente, uma imagem da mais intensa plenitude da vida. Quanto mais pesado o fardo, mais nossas vidas se aproximam da terra, fazendo-se tanto mais reais e verdadeiras.

Inversamente, a ausência absoluta de um fardo faz com que o homem se torne mais leve do que o ar, fá-lo alçar-se às alturas, abandonar a terra e sua existência terrena, tornando-o apenas parcialmente real, seus movimentos tão livres quanto insignificantes.

O que escolheremos então? O peso ou a leveza?

Parmênides levantou essa mesma questão no sexto século antes de Cristo. Ele via o mundo dividido em pares opostos: luz/escuridão, fineza/rudeza, calor/frio, ser/não-ser. A uma metade da oposição, chamou positiva (luz, fineza, calor, ser); à outra, negativa. Nós poderíamos achar essa divisão em um pólo positivo e outro negativo infantilmente simples, não fosse por uma dificuldade: qual é o positivo, o peso ou a leveza?

Parmênides respondeu: a leveza é positiva; o peso, negativo.

Tinha ou não razão? Essa é a questão. Certo é apenas que a oposição leveza/peso é a mais misteriosa, a mais ambígua de todas."


Milan Kundera, in A insustentável leveza do ser.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Em alguma parte alguma

Para o ódio de uma amiga, eu hoje venho com um livro do Ferreira Gullar. De modo a não irritá-la e para que eu possa falar do que eu realmente quero, pularei a parte biográfica.

Seu último livro, lançado recentemente, foi para mim uma grande surpresa. Em alguma parte alguma foi definitivamente muito mais do que eu esperava.

Seus poemas abordam vários assuntos. Desde bananas que apodreciam na venda de seu pai e que deixaram no poeta memórias, até aranhas em livros, universos e a fragilidade da consciência. Talvez a importância e minha afinidade com esse livro foram muito pessoais, mas acredito que o livro consiga ter um significado especial para cada um. Talvez essa seja a grande mágica dos livros. E de todas as formas de arte.

Sinceramente, eu me perdi muito no que ia falar e para evitar sair falando bobagens que poderiam acabar tirando o interesse pela leitura, eu vou copiar alguns trechos preferidos...


FICA O NÃO DITO POR DITO

(...)

mas é que

antes de dizê-lo

não se sabe

uma vez que o que é dito

não existia

e o que diz

pode ser que não diria


(…)


assim

o poeta inventa

o que dizer

e que só

ao sabê-lo

vai saber

o que

precisava dizer

ou poderia

pelo que o acaso dite

e a vida

provisoriamente

permite


UMA PEDRA É UMA PEDRA

(…)

e assim

o homem tenta

livrar-se do fim

que o atormenta


e se inventa


Em Alguma Parte Alguma

Ferreira Gullar

Ed. José Olympio


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Alfredo da Rocha Vianna Filho

"Meu nome completo é Alfredo da Rocha Vianna. Nasci em 23 de abril de 1898, no bairro da Piedade. A rua não posso precisar. Para o meu irmão Léo foi na Rua Alfredo Reis, mas para o João da Baiana e o Donga, foi na Rua Gomes Serpa. O número da casa ninguém sabe ao certo. Só vendo o registro de batismo feito na Igreja de Santana. Meu pai chamava-se Alfredo da Rocha Vianna e minha mãe Raimunda da Rocha Vianna. Meu irmão Léo acha que o nome era Raimunda Maria Vianna".

Talvez muitos nunca ouviram falar desse nome, mas com certeza, já ouviram falar dele. Alfredo Vianna Filho, ou mais conhecido como Pixinguinha, nasceu no dia 23 de abril (Dia Nacional do Choro – por que será?) de 1897. Mal começamos e já temos uma história engraçada. Até 1968, quando se comemorariam os 70 anos do músico, acreditava-se que ele tinha nascido em 1898. Foi então que Jacob do Bandolim foi até a Igreja de Santana, no Centro do Rio de Janeiro, e pediu uma cópia da certidão de batismo e descobriu esse “erro”. De qualquer forma, as comemorações de “70” anos continuaram.

Desde muito cedo Pixinguinha já era um gênio. Gravou pela primeira vez com 13 anos de idade e revolucionou o choro “quadrado” da época. A paixão pela música foi inciada pelo seu pai, flautista, de quem ganhou o primeiro instrumento, a flauta. Seu pai não se preocupava somente com a educação musical. Pixinguinha estudou durante um tempo no Colégio São Bento, mas matava aula para ir tocar no local na Lapa, onde teria seu primeiro emprego. Segundo ele: “Às vezes, ia lá com a farda do São Bento”.

Sua banda mais famosa teve um início curioso. Pixinguinha foi chamado pelo proprietário de um cinema famoso na época (Cinema Palais, na Av. Rio Branco) para que montasse uma banda para tocar na sala de espera. Nascia assim os Oito Batutas, integrado por Pixinguinha (flauta), Donga (violão – quem gravou o primeiro samba: Pelo Telefone), China, irmão de Pixinguinha (violão e canto), Nélson Alves (cavaquinho), Raul Palmieri (violão), Jacob Palmieri (bandola e reco-reco) e José Alves de Lima, Zezé (bandolim e ganzá). Como dizia o letreiro de forma profética: “A única orquestra que fala alto ao coração brasileiro”.

Em 1942, fez a última gravação como flautista. Ele nunca explicou direito a troca para o saxofone, embora se acredite que o consumo excessivo de bebida o teria feito perder a embocadura para flauta. De qualquer forma, Pixinguinha continuou brilhante no saxofone. Uma de suas parcerias de maior sucesso foi com Benedicto Lacerda, com quem enriqueceu mais ainda a nossa música. É esse o disco que aconselho hoje: Pixinguinha e Benedicto Lacerda, de 1966 (http://umquetenha.org/uqt/?p=5951).

Musicalmente, Pixinguinha sempre esteve à frente de seu tempo. Seus arranjos, suas composições saíam do normal, do comum da época. E como dissemos, seu brilhantismo não se limitou à flauta, ele foi um gênio no saxofone também. Compôs lindos e eternos choros, como Sofres Porque Queres, Carinhoso e Odeon. Críticas sofreu muitas; acusavam-no de sofrer influência do jazz e que sua música não seria nunca do gosto popular.

Preciso contar duas histórias curiosas. A primeira, em 1971, foi um daqueles momentos que levavam seus amigos a considerá-lo santo. Sua mulher, dona Beti, passou mal e foi internada. Dias depois, foi ele acometido de mais um problema cardíaco, foi também internado no mesmo hospital, mas, para que ela não percebesse que também estava doente, colocava um terno nos dias de visita e ia visitá-la como se estivesse vindo de casa.

A segunda é mais triste, pois se trata de sua morte. No dia 17 de fevereiro de 1973, quando se preparava para ser o padrinho de uma criança na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, sofreu o último e definitivo enfarte. A Banda de Ipanema, que fazia naquele momento um dos seus mais animados desfiles, desfez-se imediatamente com a chegada da notícia. Tinha morrido um gênio, um deus.

Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha.” Ari Vasconcelos.

Se não tivesse nascido Vinícius, queria nascer Pixinguinha.” Vinícius de Moraes


A bênção, Pixinguinha

Tu que choraste na flauta

Todas as minhas mágoas de amor”

Vinícius de Moraes


Seguem dois vídeos. O primeiro, Benedicto Lacerda e Pixinguinha tocam Carinhoso. O segundo, Pixinguinha, Baden Powell e João da Baiana tocam Lamento. Salve São Pixinguinha!




sábado, 21 de agosto de 2010

Informação Especial

Queridos leitores,

eu tenho certo prazer em dar essa notícia. Isso porque torna o nosso nada-famoso blog diferente. Estamos contando com uma colaboradora internacional. Uma enviada especial de Paris. Mariana Carvalho. Nossa blogueira nos abandonou para aquela terra... Porém, mesmo longe ela disse que não deixará de contribuir.

Uma pequena homenagem a nossa blogueira e àquela horrível cidade onde ela se encontra...

Prado Pereira de Oliveira

O nome fundamental da música brasileira que hoje trago é, ninguém mais, ninguém menos, que João Gilberto.

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira nasceu em Juazeiro (BH), em 1931. Foi com 14 anos que ele teve seu encontro com o violão, de quem jamais largou. Quando criança adorava ouvir o jazz norte-americano de Duke Ellington e da big-band de Tommy Dorsey, além de Dorival Caymmi e Dalva de Oliveira. Em Salvador, João tentou ser crooner e cantor de rádio. No entanto, foi no Rio de Janeiro que veio a conhecer o sucesso. Começou, em 1951, cantando no grupo Garotas da Lua, com quem veio a gravar dois discos.

Passou um período longe do Rio, indo morar em Porto Alegre e depois em Minas, com a família. Voltou em 1957 e passou a frequentar os pontos de encontro dos músicos, como a Boate Plaza. Se identificou muito bem com a nova concepção musical que estava surgindo, o que veio a resultar na bossa nova.

João Gilberto foi fundamental no surgimento da bossa nova. Começou ao acompanhar com seu violão a cantora Elizeth Cardoso no seu disco Canção do Amor Demais (como na música do Tom: Rua Nascimento Silva, cento e sete / Você ensinando para Elizeth as canções do Canção do Amor Demais). Depois disso, João lançou o seu disco fundamental, que é a minha indicação desse post, Chega de Saudade. Este veio a se tornar um marco da bossa nova; citado muitas vezes por ser inspirador, revolucionário e como referência, como afirmam Chico Buarque e Caetano Veloso. Com isso, João Gilberto conquistou não somente o Brasil, como o mundo. Tocando com diversos músicos fez discos fabulosos. É o caso do encontro com Stan Getz, do qual resultou Getz/Gilberto, disco ganhador do Grammy de 1964.

Sobre o Chega de Saudade (http://umquetenha.org/uqt/?p=2108), esse disco apresentava uma interpretação vocal intimista e uma nova batida de violão. Bastou para Gilberto ser revolucionário. Abandonando o estilo de cantar das rádios, famoso pelo vozeirão (associado ao samba-canção), adotou o cantar baixinho. Quanto o estilo de tocar, adotou uma batida que alterava o tradicional do samba. Consolidando, definitivamente, o estilo da bossa nova.

Uma duas curiosidades sobre João Gilberto. Existe o mito (digo mito, porque não sei se é verdade) de que ele possui um ouvido absoluto, capaz de ouvir sons imperceptíveis à maioria dos imortais. Um dia, gravando em um estúdio em Nova York ele disse que não mais poderia continuar por estar ouvindo uma britadeira que estava o atrapalhando. A britadeira foi descoberta a dois quarteirões do estúdio. A segunda curiosidade é real. João foi casado com a Miúcha. Para os que não sabem ela é irmã do Chico Buarque. O relacionamento deles não foi uma maravilha. E por ter feito mal a sua irmã, Chico compôs Maninha: Se lembra quando toda modinha falava de amor / pois nunca mais cantei, oh maninha / depois que ele chegou (…) Pois hoje só dá erva daninha / No chão que ele pisou.

A seguir, João Gilberto interpreta Pra Machucar Meu Coração, de Ary Barroso.


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Canções Praieiras

Depois de um tempo postando pensamentos, não somente pela preguiça, mas também pela vontade de torná-los conhecidos, começo hoje uma série brasileira. Vou tentar trazer aqui grandes nomes da nossa música, não somente uma pequena biografia como seu disco fundamental (ao menos, no meu ponto de vista). Para começar, Dorival Caymmi!

Dorival é filho da Bahia, quem ele soube muito bem cantar. Desde menino cantava no coro da igreja. Veio a trabalhar como jornalista, mas sabia que essa não seria sua carreira. Em 1930, escreveu sua primeira canção. Em 1938, ele se mudou para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Sua carreira começava a ficar mais iluminada. Fez sucesso assim que chegou na Rádio Tupi, cantando uma de suas músicas mais famosas O que é que a baiana tem, com a qual Carmem Miranda tornaria ainda mais popular no filme Banana da Terra [1938]. Daí par frente, Caymmi entrava para os grandes nomes do Brasil com suas canções praieiras. Nos deixou recentemente, em 2008, com 94 anos.

Suas músicas falavam basicamente da Bahia, seus hábitos, estilos, costumes e tradições. Soube muito bem cantar o mar e os pescadores. Caymmi cantava aquilo que ele viveu, aquilo que via. Talvez foi o melhor compositor brasileiro nesse quesito. Ele cantou a Bahia, tornando-a popular na sociedade. Soube cantar, como ninguém, as mulheres ( A vizinha quando passa / Com seu vestido grená / Todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há), a comida ( Quem quiser vatapá, ô / Que procure fazer / Primeiro o fubá / Depois o dendê), a cultura dos terreiros (Dia dois de fevereiro / Dia de festa no mar / Eu quero se o primeiro / A saudar Iemanjá). Musicalmente, ficou famoso pela sua voz e por seu violão. Seu canto grave, melódico e sensual se encontrava perfeitamente com o seu violão vigoroso, rico e, se assim podemos falar, negro. A influência negra não é só perceptível em suas letras, sua música foi construída em cima da música africana, desde os violões aos tambores. Sua importância para a música brasileira foi fundamental, sendo uma das pedras fundamentais da mesma.

O Dorival é um gênio. Se eu pensar em música brasileira, eu vou sempre pensar em Dorival Caymmi. Ele é uma pessoa incrivelmente sensível, uma criação incrível.” Antônio Carlos Jobim

A indicação de hoje é Caymmi e Seu Violão, de 1959. Um dos primeiros cds lançados por Caymmi, tem algumas de suas músicas mais famosas, como A Lenda do Abaeté, Dois de Fevereiro e O Bem do Mar. Segue o link do fabuloso site Um que Tenha, no qual podemos encontrar esse disco: http://umquetenha.org/uqt/?p=2196 .

Abaixo, um trecho do documentário Um Certo Dorival Caymmi, no qual ele próprio conta o seu encontro com a Carmem Miranda.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

Pensamento... (7)

A Racionalidade Irracional

Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno.

Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra?
Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer.
Falámos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixámos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias.


José Saramago, in 'Diálogos com José Saramago'

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Pensamento... (6)

Foucault

"- O que me impressiona é o fato de que em nossa sociedade, arte se tornou algo ligado somente a objetos e não a indivíduos. Que arte seja algo somente para experts ou artistas. Mas por que não pode a vida de alguém se tornar uma obra de arte?"

- Ela pode, Foucault.

domingo, 18 de julho de 2010

Pensamento... (5)

Pensar é destruir

O homem vulgar, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de a não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão - assim fazem os homens gerais, e assim se deve viver a vida para que possa contar a satisfação do gato e do cão.
Pensar é destruir. O próprio processo do pensamento o indica para o mesmo pensamento, porque pensar é decompor. Se os homens soubessem meditar no mistério da vida, se soubessem sentir as mil complexidades que espiam a alma em cada pormenor da acção, não agiriam nunca, não viveriam até. Matar-se-iam assustados, como os que se suicidam para não ser guilhotinados no dia seguinte.

Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'



ou:



"Pena não ser burro... Não sofria tanto... " (Raul Seixas, in Só Pra Variar)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

I Speak Music

Admirável Mundo Novo




Dando continuidade no post sobre 1984, trago-lhes outra grande obra de ficção futurística: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Um pouco da história: O livro descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes. Tal sociedade é dividida em castas e desconheceria os conceitos de família e de moral. Não há vontade livre, abolida pelo condicionamento e a servidão era algo aceitável. Contudo, nesse mundo há Barnard Marx, o protagonista, que sente-se insatisfeito, em parte por ser fisicamente diferente dos restantes membros da sua casta. Numa espécie de reserva histórica em que algumas pessoas continuam a viver de acordo com valores e regras do passado, Bernard encontra uma mulher e seu filho. E vê a possibilidade de conquista de respeito social através da apresentação do jovem “selvagem” à civilização. Sem imaginar sequer os problemas e os conflitos que essa sua decisão provocará.

Como o livro de George Orwell, Admiravel Mundo Novo cria um futuro hipotético onde as pessoas são condicionadas a seguiram regras e padrões da sociedade. Huxley cria muitas alusões a fatos e personalidades importantes, como o nome das personagens fazerem referencias a Marx e Lenin, e citações no livro relacionadas a Hitler e ao Mein Kampf, uma espécie de bíblia na Alemanha nazista. Talvez a obra seja menos política que 1984, até porque o autor se preocupa mais com a descrição da estrutura da sociedade. Mas isso não esconde o apelo político do livro.
Cuidado: alguns processos (sociais) do livro podem chegar a serem assustadores.

"Não há Civilização sem Estabilidade Social.
Não há Estabilidade Social sem Estabilidade Individual."

terça-feira, 13 de julho de 2010

Pensamento... (4)

Ser é Escolher-se

Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tão-pouco de dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser. (...) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre, ou não é.

Jean-Paul Sartre, in 'O Ser e o Nada'

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ignorância é Força!

Irmãos, eu eu vos trago A salvação. O Livro. 1984!

Depois de ser indicado por três amigos para ler esse livro eu finalmente peguei emprestado. Acho que foi um dos meus melhores empréstimos, junto da vez que eu peguei Os Maias, do Eça de Queiroz. Tanto é que depois eu vim a ganhá-lo, num lindo presente de alguém especial!

Vou falar brevemente do livro, embora ache que esse livro já deve ser do conhecimento comum de todos. O livro se passa em 1984, em Londres (ou como é conhecida na época do livro, Pista de Pouso Número 1), na Oceânia, uma superpotência controlada pelo restritivo Partido e comandada pela Grande Irmão, seu líder. Todos só obedecem a uma regra: a própria obediência em ação e pensamento. A sociedade é estratificada em três partes: o Núcleo do Partido, o Partido Externo subserviente e os proletas. O personagem principal, Winston Smith, que é do Partido Externo, trabalha no Ministério da Verdade, adulterando a verdade por aquela verdade que o Partido quer. Apesar da força para se conforma e obedecer ao Partido, ele mantém, secretamente, pensamento contra o Partido. Smith conhece Júlia e descobre nela uma pessoa com pensamentos semelhante. Ambos vão buscar ajuda para participarem da força de oposição. E por aí vai.... já falei demais. Obedeça e leia o livro.

Apesar de ser uma trama simples, o livro não é. Não é só altamente político, mas provoca sentimentos e pensamentos em quem lê. Esse livro é um daqueles que, assim como toda forma de arte, não nos deixa ilesos. George Orwell conseguiu em seu último livro nos provocar, nos constranger, nos alertar e nos acordar. Quanto ao autor, acho que sua fama já fala por si. Ficou famoso por falar as coisas de um modo que ninguém havia dito antes. Além disso, nesse livro, Orwell à semelhança de Tolkien e de James Cameron, ele criou uma língua: a Novafala.

Para fechar vou transcrever alguns trechos e, por fim, uma tirinha que representou meu sentimento quando acabei de ler o livro.

Que coisa bonita, a destruição das palavras! […] há centenas de substantivos que também podem ser descartados. Não só os sinônimos; os antônimos também. […] Uma palavra já contém em si mesma o seu oposto. Pense em “bom”, por exemplo. Se você já tem uma palavra como “bom”, qual a necessidade de uma palavra como “ruim”? […] qual o sentido de dispor de uma verdadeira série de palavras imprecisas e inúteis como “excelente”, “esplêndido” e todas as demais?

Todo conceito de que pudermos necessitar será expresso por apenas uma palavra, com significado rigidamente definido, e todos os seus significados subsidiários serão eliminados e esquecidos. [...] Menos e menos palavras a cada ano que passa, e a consciência com um alcance cada vez menor.

[...] Como podemos ter um slogan como “Liberdade é escravidão” quando o conceito de liberdade foi abolido? Todo o clima do pensamento será diferente. Na realidade não haverá pensamento tal como o entendemos hoje. Ortodoxia significa não pensar – não ter necessidade de pensar. Ortodoxia é inconsciência.

Era o produto de uma mente semelhante à dele, porém muitíssimo mais poderosa, mais sistemática, menos amedrontada. Os melhores livros, compreendeu, são aqueles que lhe dizem o que você já sabe.



domingo, 11 de julho de 2010

Sassy

Terminando hoje a minha homenagem às Divas do Jazz, Sarah Vaughan, ou Sassy, seu apelido.

Ainda muito menina, Sarah Vaughan começou a cantar no coral gospel da igreja que frequentava com os pais, ambos músicos. Seu pai era guitarrista e sua mãe era lavadeira e tocava piano na mesma igreja. Aos treze anos, com o que sua mãe havia lhe ensinado, foi para trás do órgão, acompanhando o coro. Ganhou o primeiro prêmio no Apollo Theatre (lembram-se?), o que lhe abriu muitas portas na música.

Começou a cantar com bandas, mas adquirida sua confiança ao trabalhar, Sassy decidiu tentar a carreira solo. Seus primeiros álbuns soram bem recebidos pela crítica, fato que a levou a se unir com os músicos revolucionários do bepbop como Charlie Parker e Dizzy Gillespie.

Vaughan tornou-se uma estrela internacional, gravando discos mais comerciais e frequentemente acompanhada de cordas, embora tenha gravado com um octeto, 1950, que incluía o trompetista Miles Davis.

Sarah era dona de uma impressionante e elegante voz, que parecia sair nenhum esforço, além disso, improvisava de maneira magistral (scat).

A indicação de hoje é o At Mister Kelly's [1957]. Esse disco está naquele livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer. Ele é maravilhoso! Apesar de ser ao vivo, ele é muito bem gravado, sem ruído algum. Alguns aplausos sim, mas vale muito a pena.

Excepcionalmente, hoje serão dois filmes. Um, Sarah cantando Don't Blame Me. Outro, é uma descoberta: Sarah Vaughan e Wilson Simonal cantando juntos . Os dois imperdíveis!





sábado, 10 de julho de 2010

Ella Fitzgerald

Na sexta, eu decidi dar continuidade ao meu post anterior. Assim, resolvi falar sobre as três divas do jazz. Continuando, portanto, hoje será o dia de Ella Fitzgerald.

Lady Ella, como era conhecida, tinha uma voz fantástica. Para aqueles que entendem (grupo do qual não faço parte, mas acho que essa informação deve ser importante. E quem souber me ensine, porque fiquei curioso) sua extensão vocal abrangia três oitavas. Uma voz clara, firme e encantadora. Digna de uma diva, tornando mais lindas as lindas canções que interpretava. Ela (Ella) ficou muito famosa por cantar scat, modo de cantar que tentava imitar um instrumento, trabalhando com as notas e melodias da música, através de palavras ou sílabas (ver vídeo abaixo). Sobre isso ela veio a comentar: "Eu apenas tentava fazer [com minha voz] o que eu ouvia os sopros da banda fazerem" .

Sua carreira começou muito cedo. Com 17 anos, ela cantava no famoso Apollo Theatre, no Harlem, símbolo do nascimento da música negra. Passou, então, a cantar com as big bands. Depois entrou em sua carreira solo fabulosa. Cantando com diversas pessoas e, talvez, sua parceria mais famosa foi com Louis Armstrong (old Satchmo). Essa união rendeu alguns cds maravilhosos, como o Ella & Louis (1956) e Ella & Louis Again (1957).

Outras indicações que faço dessa maravilhosa cantora, são os songbooks da Verve. Ella cantou oito compositores, como Cole Porter, Duke Ellington, George e Ira Gershwin. Outro grande fabuloso cd dela é o Ella Abraça Jobim (1981), no qual ela canta as músicas do nosso querido Tom, chegando até a interpretar uma em português (Água de Beber).

Assim como Billie Holiday, Ella Fitzgerald e a próxima diva participaram ativamente contra o racismo que imperava nos Estados Unidos à época. Militando em movimentos raciais, todas elas contribuíram contra o preconceito. E assim, foram fundamentais, não somente por tornar público o jazz -uma música originalmente negra, vinda de New Orleans e, obviamente, muito influenciada pela cultura africana- como também por permitir (talvez forçar) a aceitação de músicos e cantores negros na cena da música, dominada por brancos, nesse período.

Abaixo, um filme d'Ella cantando em Montreax, em 1969, interpretando Samba de Uma Nota Só, do Tom Jobim. Notem no seu solo de scat que ela passa por muitas músicas como Easy To Love e Anything Goes, ambas de Cole Porter.



terça-feira, 6 de julho de 2010

Lady Day



Para fugir do estudo, aqui estou eu novamente, trazendo mais algumas músicas para vocês. A escolha da vez foi, como está no título do post, a Lady Day, ou como é mais conhecida, Billie Holiday.

Junto com Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan, são as maiores divas do jazz. Holiday, nascida Elinore Harris em 1915, teve uma infância complicada. Dos muitos problemas pelos quais passou, comento só o pior: ela foi abusada sexualmente por um vizinho quando tinha 10. Tendo que ganhar a vida quando criança, ela começou a trabalhar e com 14 anos, em New York, caiu na prostituição.

Como uma mulher como essa foi descoberta? Ela estava fazendo prova para ser dançarina e de tão mal que foi, o diretor perguntou se ela sabia fazer alguma outra coisa. Cantar. Bastou. Não tendo nenhum estudo musical, ela aprendeu ouvindo e começou sua carreira.

Rapidamente, ela estava cantando com os maiores nomes da época das Big Bands: Benny Goodman, Duke Ellington, Artie Shaw e Count Basie. Recebeu seu apelido do Lester Young, com quem ela cantou muitas vezes e que veio a se tornar um grande amigo. Sua carreira foi divina e meteórica, saindo dos prostíbulos para cantar no Carnegie Hall. Foi um dos nomes mais brilhantes que o Jazz e o mundo da música já teve. Infelizmente, ela, apesar do enorme sucesso, se afundou na bebida e nas drogas - mal que afligiu muitos músicos de jazz na época - e acabou morrendo de overdose, somada a depressão, com apenas 44 anos.

Quanto ao cd que vos trago: Lady in Satin [1958]. É um dos melhores, se não o melhor, cd dela. A cada música que você ouve, mais fica preso dentro daquela sensação que a voz dela provoca. Uma voz rouca, sentimental, comovente, diferente, cativante e etc. Eu acho que ela é uma das poucas pessoas que cantava colocando sentimento em cada palavra. Muitas vezes sensual, muitas vezes down, outros momentos alegre. Ela é e será inigualável.

Segue aqui um pequeno vídeo para aqueles que querem conhece-la, mas nem tanto para procurar o seu disco. Billie Holiday cantando I Love You, Porgy de George Gershwin (pessoa que um dia ainda comentarei melhor aqui).


domingo, 4 de julho de 2010

Pensamento... (3)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Não deixe o samba morrer...




Amigos,

depois de muito tempo sem postar qualquer música, hoje, eu trago duas bandas. Arranco de Varsóvia e Sururu Na Roda.

Essas duas novas bandas de samba são fantásticas. Primeiro, elas foram responsáveis pela "retomada" (deixo em aspas, porque me perguntou se um dia o samba esteve em baixa) do samba. O grande e reconhecido trabalho deles foi fazer a releitura dos grandes sambas. Apresentando com uma abordagem muito própria, antigos e novos sucessos, desde Cartola, Geraldo Pereira, Paulinho da Viola e muitos outros. Segundo, e agora eu falo especificamente do Sururu Na Roda, eles contribuíram com a volta da Lapa ao circuito carioca. Hoje, eles se apresentam mensalmente (creio eu) no Centro Cultural Carioca, na Praça Tiradentes (Imperdível!).

Voltando à música... O Arranco de Varsóvia teve inspiração nas bandas de samba das décadas de 30 e 40, como Bando da Lua e Anjos do Inferno. Esses grupos eram, principalmente, vocais, que marcaram profundamente a música brasileira nesse período. Quanto ao Sururu Na Roda, valorizam os diferentes estilos musicais brasileiros, desde o samba, principalmente, ao maxixe e ao baião.

Para aqueles que gostam de samba, ou que gostam de música brasileira, ou que querem conhecer algo novo, esses dois grupos são maravilhosos! Fica como indicação os cds: Samba de Cartola, do Arranco; e Que Samba Bom, do Sururu.

Para fechar, em homenagem ao samba, Noel Rosa:

Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Shantih



Mais uma contribuição de outro que, assim como nós, não tem mais o que fazer... novamente, Daniel Torres.

Em 1796 Goethe publicou Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister, o que pode ser dado como o marco fundamental para o chamado romance de formação. Da criança ao homem, vemos todos os eventos capitais de uma vida, suas lições. Tende então esse gênero ao moralismo ou ao didatismo. Nada muito atrativo. Claro, existem exceções; e, dentre elas, Hermann Hesse.
Escreveu Sidarta com base nas experiências que teve de uma viagem à Índia, do contato que teve com os textos da filosofia indiana que adquiriu de seu avô indólogo. Em si, essa adição do cabedal à experiência não renderia uma novela indiana – o que não mereceria qualquer préstimo. Valem como um contexto para a densidade, poesia e beleza que Hesse dá a este texto surpreendente
A estória é homônima do protagonista, Sidarta, um filho de brâmane que decide chegar à iluminação, transcender às aparências do mundo – romper o véu de maia como dizem os hindus. De início, ele decide viver com os samanas, os homens santos da índia, buscando a iluminação na ortodoxia hindu. Não se satisfaz, procura um novo mestre. Ninguém menos que o outro Sidarta: Sidarta Gotama, o Buda. Sai de sua tutela, entende que ninguém pode chegar ao momento da iluminação do Buda.
Daí em diante os mestres são vários como as facetas da experiência humana: um comerciante, uma concubina, um barqueiro, um rio. De todos eles Sidarta busca aprender algo. Em todos há um aprendizado, uma nova perspectiva, como em todas as experiências da vida humana. Em cada perspectiva que aparece vemos uma nova linha do contorno da verdade sendo moldada. Cada momento em Sidarta é de uma energia quase vital.
Se a estória é poética em todos os momentos, é talvez por dar um pouco da beleza contraditória da existência. Se a cada momento ensina, é porque cada momento justifica todos os antecedentes. Ao fim, não podemos fazer nada senão sentir uma grande vibração no corpo que não é senão a vibração paradoxal de uma inquieta paz. Quando do fim da última linha, só podemos ver ante nós, leitores estupefatos e maravilhados, a imagem de um velho com um sorriso discreto e intenso. Este sorriso é o convite que Hesse, este homem que foi destinado a escrever sobre a viagem do indivíduo, nos faz a iluminação pessoal.

Sidarta
Hermann Hesse
Editora Record

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O texto a seguir traduz bem o dilema que muitas pessoas passam sobre o tempo, a vida em geral. Quem de nós nunca refletiu sobre “estou aproveitando a minha vida”? Ou sobre “o que vai ser do meu futuro”? A dicotomia entre presente e futuro preocupa muitos de nós, jovens. E com a idade, parece que a preocupação só aumenta.
O autor Robert Wong é um palestrante considerado um dos mais inspiradores e requisitados do mercado. Espero que gostem e reflitam um pouquinho sobre isso. Um tema talvez já cliché, mas nunca esquecido.

SOBRE O TEMPO

“Todo tem apenas 24 horas por dia, nem mais nem menos. A diferença está em como você usa essas 24 horas.
De nada adianta ter saúde (física, mental e espiritual) e não ter tempo para aproveitá-la. O tempo, essa moeda comum a qualquer ser humano, independente da classe social, também respeita a trilogia do presente, passado e futuro. Todo tem 24 horas por dia, nem mais nem menos. A diferença está em como você usa essas 24 horas.

A civilização ocidental abandona, perigosamente, o próprio presente. Você é filho de uma civilização que submete as pessoas a resultados. O sistema de produção capitalista ajudou a humanidade a dar um tremendo salto. Gerou superávits em várias áreas. Teve mais acertos que erros, o que consolidou a fé no sistema, que se baseia no planejamento, na projeção futura, na aferição de resultados.

Felicidade gera resultados
O sistema capitalista nos condiciona a conseguir resultados primeiro para ser feliz depois. Consequência: você vive tão pressionado por resultados que perde contato com o presente. Deixa escapar sua alma infantil e se entrega à angústia do futuro. Ou aos pesadelos do passado.

Mas o contrário é que é verdadeiro. São pessoas felizes que geram resultados. Felizes, vinculamo-nos uns aos outros e ampliamos nossa criatividade e competitividade. Com pouco, fazemos muito. E muito com qualidade.

Para recuperar o presente, você deve estar consciente de que o tempo disponível em sua vida vem em pacotes fixos. Cada minuto conta. Nosso tempo é limitado e o tempo perdido não se recupera. Não se pode “economizar” o tempo. Ele é instantâneo e passa.
Quando somos crianças, nos entregamos ao tempo presente. Você se lembra? É o período de maior acumulação de conhecimento de nossas vidas. Se você já se esqueceu de quando era criança, observe qualquer menino ou menina. O tempo não passa para as crianças. Porque elas estão concentradas no presente. Apenas no presente. A ponto de Jesus ter dito, no tempo presente, “é das crianças o reino dos céus”.

A partir da adolescência, abrimos mão do paraíso terrestre. Você começa a cristalizar sua visão de mundo. Antecipa e deseja os vários paraísos possíveis. E acaba trazendo para a sua vida os vários infernos possíveis. O espectro do futuro começa a fazer sombra em seu dia-a-dia. A preocupação se instala. Mas preocupar-se é ocupar-se antes do tempo. É sofrer por antecipação. E ao se ocupar de uma situação que, se ocorrer, será apenas no futuro, você sofre hoje, gastando um tempo precioso. Um tempo perdido e irrecuperável.


O símbolo do Infinito
Todos são familiarizados com o símbolo do infinito, representado como se fosse um número “8” deitado. A esquerda representa a eternidade do nosso passado e a direita a eternidade do nosso futuro. Olhando bem, os dois lados são espaços “vazios”, pois são tempos que não podem ser vividos – o da esquerda já aconteceu e o da direita pode ser que nem aconteça.
O que existe de concreto é o ponto de cruzamento dos dois arcos – a eternidade do momento presente, que é uma dádiva, uma jóia – onde as coisas de fato acontecem, onde a vida é efetivamente vivida. É a única realidade. O danado da coisa é que, ao invés de viver o presente em sua totalidade, desperdiçamo- lo pensando ou no passado ou no futuro, ou seja, ficamos naqueles espaços vazios. Não se pode pensar o presente; ele só pode ser vivido no presente, nem antes nem depois, e de preferência com equilíbrio. Isso dá sentido à nossa vida.
Conforme dizem, os jovens vivem, dentro da normalidade, pensando no futuro e os idosos revivendo o passado. Na coletividade humana, o grupo mais sustentavelmente feliz é o das crianças, pois vivem o presente, sem as ocupações do passado nem as preocupações do futuro. Também os namorados e os apaixonados (não necessariamente só pela pessoa amada, mas os apaixonados pela sua missão de vida, pela vocação), pois voltam a ser crianças; até falam e agem como tal. Pelo comportamento, pelo entusiasmo e pela forma de comunicação são como crianças… mais uma demonstração da importância de resgatar o nosso lado criança dentro da trilogia essencial.

O passado e o futuro são importantes à medida que usamos o presente para:
- Aprender as lições deixadas pelo passado (tantas as nossas como as dos outros) e reparar as falhas ou preencher as lacunas ou realizar as coisas que não podíamos ou não queríamos fazer no passado;
- Planejar e preparar o caminho/terreno e realizar as tarefas/atividades para ter um futuro melhor e mais promissor para nós e para os outros.
Lembre-se: a sua cota de tempo enquanto vivo, seja qual for o período que fique entre nós, é limitada. O tempo que perde em antecipações inúteis é jogado fora. Sem chances de recuperar.

As expressões típicas da juventude, que se alastram pela idade adulta, são: “quando eu conseguir meu primeiro emprego…”, ou “quando eu sair de casa…”, ou ainda, “quando eu me formar…”. Você vive virtualmente no futuro. Mas sofre ou é feliz, concretamente, aqui, no presente. À medida que envelhece, você muda também seu relacionamento psicológico com o tempo. Surgem as lembranças: “na minha época era diferente…” ou “quando eu era jovem…”. De novo, gasta energia emocional e desperdiça seu precioso tempo de vida. Vive no passado.

A razão é simples. Tudo o que aconteceu no passado só faz sentido se você puder utilizar como sustentação de suas ações no presente. Ao recuperar e usar o conhecimento, a experiência e a sabedoria acumulados, você amplia suas chances hoje.
Mas viver de bravatas e de registros de sucesso no passado vira perda do tempo presente. O que diminui seu potencial e sua eficiência para superar suas dificuldades.

Quando você perde o foco no presente, investindo seu tempo em memórias ou antecipando dificuldades futuras, diminui a capacidade de superar seus desafios no presente.

Há um ditado popular chinês que sabiamente afirma:
- Seu problema tem solução?
Então por que se preocupar?
- Seu problema não tem solução?
Então por que se preocupar?”

Por Robert Wong

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Brasil 70



Há 40 anos atrás, o Brasil se tornava tricampeão mundial de futebol. Para uma justa homenagem e para nos dar boa sorte, nada melhor que: Armando Nogueira.

México 70

E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.

Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.

E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campo para protegê-lo, coitado dele. Coitado, também, de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sombrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.

O campo do Azteca, nesse momento, é um manicômio: mexicanos e brasileiros, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria.

Agora, quase não posso ver o campo lá embaixo: chove papel colorido em todo o estádio. Esse estádio que foi feito para uma festa de final: sua arquitetura põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, aqui, no Azteca, toma emprestado à corrida de touros.

Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito Mundial que meus olhos jamais sonharam ver. Pela correção dos atletas, que jogaram trinta e duas partidas, sem uma só expulsão. Pelo respeito com que cerca de trezentos profissionais de futebol se enfrentaram, músculo a músculo, coração a coração, trocando camisas, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em Munique 74.

Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, amanhã, os heróis do Mundial de 70 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria do jogo. Mas final é assim mesmo: as táticas cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de finais e, em nenhuma delas, falou-se de estratégias. Final é sublimação, final é pirâmide humana atrás do gol a delirar com a cabeçada de Pelé, com o chute de Gérson e com o gesto bravo de Jairzinho, levando nas pernas a bola do terceiro gol. Final é antes do jogo, depois do jogo — nunca durante o jogo.

Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um gol, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.

Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância.

A taça de ouro é eternamente tua, amiguinho.

Até que os deuses do futebol inventem outra
.

sábado, 19 de junho de 2010

As Intermitências da Morte

Copiando as palavras do Fernando Meirelles: “Hoje o mundo ficou mais burro e mais cego”. É exatamente assim que me sinto com a morte de José Saramago. Amado por muitos e odiado por milhares, ele foi um dos melhores escritores que eu já li (talvez o melhor? Pode ser). Obviamente, devido às circunstâncias, eu não vou falar sobre ele. Basta, para quem quiser saber sobre sua vida, abrir qualquer site de informação.

Vou aconselhar um dos mais brilhantes livros que já li. “As Intermitências da Morte”, José Saramago. Como esse livro é muito maior do que tudo que poderia aqui escrever, vou transcrever as primeiras três frases do livro, para que vocês sintam a genialidade, a solidez e a inigualável criatividade do autor português.

No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma pertubação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar”.

As Intermitências da Morte
José Saramago
Companhia das Letras

Vou deixar aqui, um curta-metragem espanhol sobre um conto infantil do Saramago. Pediria a todos que vissem e que mostrassem aos amigos, pais e quem mais for interessante. Vejam e entenderão porque.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Coração das Trevas



Nossa primeira contribuição: Daniel Torres.

ESCRITA DA PENUMBRA E DA SOMBRA

O que marca o conceito de estória heróica? Bom, não se pode negar que podemos perceber em todas uma noção de grandeza: os cenários trazem sempre a dimensão da imensidão, há uma grande dificuldade na tarefa a ser realizada, que por sua vez é dotada de intentos expressamente nobres, há um grande senso moral nos protagonistas, vemos o conflito contra aquilo considerado vil e desprezível.

Coração das Trevas de Joseph Conrad deve ser entendido como um, a seu modo. O narrador, Marlow, conta sua experiência na floresta equatorial africana. Trabalha para uma empresa colonial de transportes fluviais. Sua função: fazer a ligação entre as feitorias e entrepostos da grande missão civilizadora da Europa. Um trabalho digno, nobre como a luz da civilização européia.

A história vai mais a mais que esse heroísmo cotidiano, tanto quanto vai mais ao fundo da selva. Marlow é um dos que devem procurar o entreposto perdido de Kurtz. Um farol da Europa no coração selvagem da África, missionário na grande selva que parece sugere o infinito na sua escuridão – civilizando por o marfim. O Encontro de Marlow com Kurtz, diga-se de passagem, é um momento ímpar.
Tanto quanto o fim, o caminho é surpreendente. Conrad descreve suas paisagens e personagens com tal esmero, com tal habilidade na descrição dos objetos e das cores, que o leitor fica enervado – Seus textos são quase associações entre a literatura e a pintura. Conquanto o barco monta o rio estamos indo cada vez mais fundo para o coração da escuridão – do crepúsculo do início da estória até seu fim. A imensidão da paisagem que vemos (lemos?) é a da floresta monumental, mas opressiva, úmida, fatal, enlouquecedora. Sua descrição não traz só cores e sombras, nos faz ouvir o bater selvagem dos tambores, os nativos, com seus gritos e ululos. A nobreza da missão é a mais sincera possível, é a nobreza da civilização burguesa; a caridosa missão da civilização não se poupa do uso da barbárie – uma vila é dizimada por nada, por galinhas. Ensina-se a um nativo a operar uma caldeira dizendo-lhe que ela é um deus. Tudo que é tratado por humano – entenda-se aqui por europeu – é imoral, cínico ou hipócrita – todos são postos na penumbra. A luta contra o vil aqui é a luta contra o bárbaro, ou seja, a luta contra o impotente, contra o fraco – uma luta de resultados óbvios, mas que não se isenta de esmerar a si em horror.

A estória só caminha para as trevas porque quer chegar àqueles lugares onde age aquele anverso da alma que nosso frágil pudor não cansa de declarar, mas detesta encarar. Estamos aqui diante do mais poderoso relato sobre a amoralidade humana. Heart Of Darkness atinge o íntimo de nosso senso moral, brinca com os sentidos pela plasticidade, força e precisão de suas descrições. Um experiência moral, sensorial, intelectual – Real!
O Horror! O Horror!

Coração das Trevas (Ed. de Bolso)
Joseph Conrad
Companhia de Bolso (Cia. das Letras)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Pensamento... (2)



"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela."

Fernando Pessoa
Poesia Completa de Alberto Caeiro

Imagem: Marc Chagall, La fenêtre sur l'Île de Bréhat (1924)

domingo, 6 de junho de 2010

100 Anos de Solidão



Hoje trago-lhes um clássico, uma leitura obrigatória: Cem Anos de Solidão.

Obra de Gabriel Garcia Marquez, que entra na minha lista de maiores escritores do mundo, considerada uma das obras mais importantes da literatura latino-americana e que so aumenta seu numero de adoradores pelo mundo afora. A obra envolve elementos mágicos e estranhos, realismo e uma profunda preocupação estilistica. Não sou nenhuma literária para fazer uma avaliação profunda, mas deixo aqui minha admiração pelo autor e suas obras.

Vamos ao resumo: O livro conta a história de Macondo, uma cidade mítica, e a dos descendentes de seu fundador, José Arcadio Buendía, durante um século. Todos em luta contra uma realidade truculenta e excessiva, sempre a beira da destruição. Sim, acabo o resumo por aqui. Alguns falam que é necessário ler o livro com um caderninho do lado para traçar a árvore genealógica da família Buendia e entender melhor a história, pois os nomes se repetem bastante ou são bem parecidos, mas se vc prestar bem atenção e trabalhar a sua memória não será necessário. As características das personagens se repetindo de acordo com seus nomes, os acontecimentos místicos, as guerras e os amores, sao alguns elementos dessa obra indescritível. Friso o final. O livro e' longo, talvez alguns se cansem, mas o final vale a pena. Como dizia um professor, "so acaba quando termina", literalmente.


Boa semana para todos.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Feitio de Oração



Aproveitando o nome da canção do Noel (Salve Noel!), eu vim mostrar um dos meus discos preferidos: My Funny Valentine, de Chet Baker. Já que meu último post foi sobre um livro que fazia dele personagem, por que não mostrar um cd dele?

Esse disco mostra não somente ele no trompete, como mostra ele cantando. Daí vem o nome do post, seu canto é melodioso, é tom menor, como li certa vez, parece uma oração, um sussurro ao pé do ouvido. Não sei o que é melhor ele cantando ou tocando. Os dois! Atenção a canção que dá nome ao disco. Ela já é bastante conhecida, mas foi com a interpretação de Chet que ficou notoriamente conhecida. É difícil dar atenção somente a essa canção, o resto também é fabuloso. Viva Chet!

No Rastro de Chet Baker



Não me lembro de como eu descobri esse livro, se flanando pela Travessa ou pelo site deles, mas descobri. E como, agora ainda mais, fico feliz de tê-lo feito. Somam-se duas coisas nesse livro que eu adoro: ficção policial (!!) e jazz (!!!!). Conseguindo ser assim, fantástico! Como disse a crítica da Publishers Weekly: “Moody mistura lendas do jazz a seus personagens numa excelente história policial. E o que é melhor: consegue atingir uma intensidade perfeita escrevendo sobre música de maneira maravilhosa”.

Sobre a história: Evan Horne, pianista de jazz e detetive amador, durante sua estada em Londres encontra com um velho amigo que o convida a fazer a biografia de Chet Baker. Ele se nega e vai para Amsterdã, onde, por acaso, fica no mesmo hotel onde Chet morreu. Assim, ele, pouco a pouco, vai seguindo o rastro e os últimos dias de Chet, na busca de encontrar seu velho amigo que desapareceu depois do encontro em Londres.

Sabe aqueles livros que você lê, sabendo que não será nenhum Saramago nem um daqueles livros de banca de jornal? Esse é um deles, é bem interessante, leve e fácil de ler, passa muito bem o tempo e faz você curtir jazz e policial! Vale a pena! Existe um outro livro do mesmo autor nesse estilo, abordando outro grande nome do jazz, Charlie “Bird” Parker. Ainda não li, mas deve ser tão interessante quanto esse.

Só pela curiosidade: Chet Baker morreu em 1988, em Amsterdã, ao cair da janela de seu hotel. Ninguém conseguiu, até hoje, explicar o ocorrido. Uns acreditam no que talvez seja o mais provável: de que ele estava drogado e caiu. Outros, mais conspiracionistas, acreditam que ele tenha sido assassinado, empurrado janela fora. E outros ainda, acreditam que ele tenha se matado. O que realmente importa, é que nesse dia o jazz perdeu um dos seus grandes nomes. E eu, um dos meus favoritos.

No Rastro de Chet Baker – Um caso de Evan Horne
Bill Moody
Jorge ZAHAR Editor

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Pensamento...

Retirado do filme 8 1/2 (1963), de Fellini:

"You've made the right choice. Believe me, today is a good day for you. These are tough decisions, I know. But we intellectuals, and I say we because I consider you such, must remain lucid to the bitter end. This life is so full of confusion already, that there's no need to add chaos to chaos. Losing money is part of a producer's job. I congratulate you. You had no choice. And he got what he deserved for having joined such a frivolous venture so lightheartedly. Believe me, no need for remorse. Destroying is better than creating when we're not creating those few, truly necessary things. But then is there anything so clear and right that it deserves to live in this world? For him the wrong movie is only a financial matter. But for you, at this point, it could have been the end. Better to quit and strew the ground with salt, as the ancients did, to purify the battlefields. In the end what we need is some hygiene, some cleanliness, disinfection. We're smothered by images, words and sounds that have no right to exist, coming from, and bound for, nothingness. Of any artist truly worth the name we should ask nothing except this act of faith: to learn silence. Do you remember Mallarme's homage to the white page? And Rimbaud... a poet, my friend, not a movie director. What was his finest poetry?His refusal to continue writing and his departure for Africa. If we can't have everything, true perfection is nothingness. Forgive men for quoting all the time. But we critics... do what we can. Our true mission is... sweeping away the thousands of miscarriages that everyday... obscenely... try to come to the light. And you would actually dare leave behind you a whole film, like a cripple who leaves behind his crooked footprint. Such a monstrous presumption to think that others could benefit from the squalid catalogue of your mistakes! And how do you benefit from stringing together the tattered pieces of your life? Your vague memories, the faces of people that you were never able to love..."

Jazz e Wayne Shorter



Estreando como co-fundadora do Blog, Mariana Carvalho.

Com um texto do Machado de Assis como primeiro post, não tenho muito o que acrescentar.
Queremos difundir cds, livros, compartilhar bons gostos e aprender. Nada melhor do que dividir coisas boas e, dessa maneira, multiplica-las. Espero que todos vcs apreciem um pouco disso e ajude-nos a escrever nessa partitura.
Estou com uma idéia de sugerir, além de musica, filmes e livros, eventos também. E um desses foi um que influenciou esse blog e o tema desse post.

Uma vez por mês rola uma AulaShow de Jazz na Casa Baden Powell, parceria com a Casa do Saber. A meia entrada custa 15 reais, um pouquinho mais que um cinema, mas são 2 horas de musica boa. E nada como um pouco de educação musical. O pessoal responsável selecionou uns caras que marcaram o mundo do Jazz e cada aula é sobre um desses caras. Eles falam sobre a vida do artista, obra e curiosidades, tudo recheado com musicas do próprio. Vale a pena.
Eu e meu co-autor fomos no ultimo que teve, sobre o saxofonista Wayne Shorter, o qual é a recomendação do dia. Ele pertence a safra de John Coltrane, Miles Davis e Art Blakey, chegando a tocar com esses dois últimos. Tem um estilo próprio, utiliza muita improvisação e talento, chegando a impressionar o próprio Miles. Recomendo o álbum que ouvi na aula de Jazz, Speak No Evil, de 1965. Porém, descobri um grande clássco dele, de 1974, Native Dancer, que conta com a participação do nosso ilustre Milton Nascimento. É, Wayne é um daqueles apaixonados pelo Brasil (é casado com uma brasileira, inclusive).

Bom, confirmaremos a data do próximo. Fica avisado que é no começo de Junho e que o artista selecionado é FODA. Um que todos devem escutar pelo menos uma vez na vida.
Fica(m) a(s) dica(s)

Beijos para todos

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Matita Perê (1973)


Salve!

Eu, como fã incondicional, não poderia começar aqui de outra forma. Tinha até uma outra idéia, mas não pude resistir a essa. Matita Perê (1973) de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, chamado por uns de Tom. Por sinal, é dele a mão que melhor ilustra nosso blog - melhor imagem nunca haverá.

Sobre essa obra prima da música brasileira... É considerado pelos críticos um dos melhores cds do Tom. Segundo o próprio, ele o elaborou durante uma fase especial, baseada, principalmente, nas obras de Guimarães Rosa, como Grande Sertão: Veredas e Sagarana (leituras obrigatórias). Influência essa muito forte em suas músicas, principalmente na que nomeia o disco.

Para mim, é um som daqueles que arrepia, daqueles que te deixam pensando, daqueles que mudam os seus ouvidos e sua alma. Fundamental para entender nosso Maestro Soberano Antônio Brasileiro, nas palavras do Chico, e a música brasileira.