sábado, 21 de agosto de 2010

Informação Especial

Queridos leitores,

eu tenho certo prazer em dar essa notícia. Isso porque torna o nosso nada-famoso blog diferente. Estamos contando com uma colaboradora internacional. Uma enviada especial de Paris. Mariana Carvalho. Nossa blogueira nos abandonou para aquela terra... Porém, mesmo longe ela disse que não deixará de contribuir.

Uma pequena homenagem a nossa blogueira e àquela horrível cidade onde ela se encontra...

Prado Pereira de Oliveira

O nome fundamental da música brasileira que hoje trago é, ninguém mais, ninguém menos, que João Gilberto.

João Gilberto Prado Pereira de Oliveira nasceu em Juazeiro (BH), em 1931. Foi com 14 anos que ele teve seu encontro com o violão, de quem jamais largou. Quando criança adorava ouvir o jazz norte-americano de Duke Ellington e da big-band de Tommy Dorsey, além de Dorival Caymmi e Dalva de Oliveira. Em Salvador, João tentou ser crooner e cantor de rádio. No entanto, foi no Rio de Janeiro que veio a conhecer o sucesso. Começou, em 1951, cantando no grupo Garotas da Lua, com quem veio a gravar dois discos.

Passou um período longe do Rio, indo morar em Porto Alegre e depois em Minas, com a família. Voltou em 1957 e passou a frequentar os pontos de encontro dos músicos, como a Boate Plaza. Se identificou muito bem com a nova concepção musical que estava surgindo, o que veio a resultar na bossa nova.

João Gilberto foi fundamental no surgimento da bossa nova. Começou ao acompanhar com seu violão a cantora Elizeth Cardoso no seu disco Canção do Amor Demais (como na música do Tom: Rua Nascimento Silva, cento e sete / Você ensinando para Elizeth as canções do Canção do Amor Demais). Depois disso, João lançou o seu disco fundamental, que é a minha indicação desse post, Chega de Saudade. Este veio a se tornar um marco da bossa nova; citado muitas vezes por ser inspirador, revolucionário e como referência, como afirmam Chico Buarque e Caetano Veloso. Com isso, João Gilberto conquistou não somente o Brasil, como o mundo. Tocando com diversos músicos fez discos fabulosos. É o caso do encontro com Stan Getz, do qual resultou Getz/Gilberto, disco ganhador do Grammy de 1964.

Sobre o Chega de Saudade (http://umquetenha.org/uqt/?p=2108), esse disco apresentava uma interpretação vocal intimista e uma nova batida de violão. Bastou para Gilberto ser revolucionário. Abandonando o estilo de cantar das rádios, famoso pelo vozeirão (associado ao samba-canção), adotou o cantar baixinho. Quanto o estilo de tocar, adotou uma batida que alterava o tradicional do samba. Consolidando, definitivamente, o estilo da bossa nova.

Uma duas curiosidades sobre João Gilberto. Existe o mito (digo mito, porque não sei se é verdade) de que ele possui um ouvido absoluto, capaz de ouvir sons imperceptíveis à maioria dos imortais. Um dia, gravando em um estúdio em Nova York ele disse que não mais poderia continuar por estar ouvindo uma britadeira que estava o atrapalhando. A britadeira foi descoberta a dois quarteirões do estúdio. A segunda curiosidade é real. João foi casado com a Miúcha. Para os que não sabem ela é irmã do Chico Buarque. O relacionamento deles não foi uma maravilha. E por ter feito mal a sua irmã, Chico compôs Maninha: Se lembra quando toda modinha falava de amor / pois nunca mais cantei, oh maninha / depois que ele chegou (…) Pois hoje só dá erva daninha / No chão que ele pisou.

A seguir, João Gilberto interpreta Pra Machucar Meu Coração, de Ary Barroso.


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Canções Praieiras

Depois de um tempo postando pensamentos, não somente pela preguiça, mas também pela vontade de torná-los conhecidos, começo hoje uma série brasileira. Vou tentar trazer aqui grandes nomes da nossa música, não somente uma pequena biografia como seu disco fundamental (ao menos, no meu ponto de vista). Para começar, Dorival Caymmi!

Dorival é filho da Bahia, quem ele soube muito bem cantar. Desde menino cantava no coro da igreja. Veio a trabalhar como jornalista, mas sabia que essa não seria sua carreira. Em 1930, escreveu sua primeira canção. Em 1938, ele se mudou para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Sua carreira começava a ficar mais iluminada. Fez sucesso assim que chegou na Rádio Tupi, cantando uma de suas músicas mais famosas O que é que a baiana tem, com a qual Carmem Miranda tornaria ainda mais popular no filme Banana da Terra [1938]. Daí par frente, Caymmi entrava para os grandes nomes do Brasil com suas canções praieiras. Nos deixou recentemente, em 2008, com 94 anos.

Suas músicas falavam basicamente da Bahia, seus hábitos, estilos, costumes e tradições. Soube muito bem cantar o mar e os pescadores. Caymmi cantava aquilo que ele viveu, aquilo que via. Talvez foi o melhor compositor brasileiro nesse quesito. Ele cantou a Bahia, tornando-a popular na sociedade. Soube cantar, como ninguém, as mulheres ( A vizinha quando passa / Com seu vestido grená / Todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há), a comida ( Quem quiser vatapá, ô / Que procure fazer / Primeiro o fubá / Depois o dendê), a cultura dos terreiros (Dia dois de fevereiro / Dia de festa no mar / Eu quero se o primeiro / A saudar Iemanjá). Musicalmente, ficou famoso pela sua voz e por seu violão. Seu canto grave, melódico e sensual se encontrava perfeitamente com o seu violão vigoroso, rico e, se assim podemos falar, negro. A influência negra não é só perceptível em suas letras, sua música foi construída em cima da música africana, desde os violões aos tambores. Sua importância para a música brasileira foi fundamental, sendo uma das pedras fundamentais da mesma.

O Dorival é um gênio. Se eu pensar em música brasileira, eu vou sempre pensar em Dorival Caymmi. Ele é uma pessoa incrivelmente sensível, uma criação incrível.” Antônio Carlos Jobim

A indicação de hoje é Caymmi e Seu Violão, de 1959. Um dos primeiros cds lançados por Caymmi, tem algumas de suas músicas mais famosas, como A Lenda do Abaeté, Dois de Fevereiro e O Bem do Mar. Segue o link do fabuloso site Um que Tenha, no qual podemos encontrar esse disco: http://umquetenha.org/uqt/?p=2196 .

Abaixo, um trecho do documentário Um Certo Dorival Caymmi, no qual ele próprio conta o seu encontro com a Carmem Miranda.


terça-feira, 3 de agosto de 2010

Pensamento... (7)

A Racionalidade Irracional

Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno.

Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra?
Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer.
Falámos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixámos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias.


José Saramago, in 'Diálogos com José Saramago'