sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Em alguma parte alguma

Para o ódio de uma amiga, eu hoje venho com um livro do Ferreira Gullar. De modo a não irritá-la e para que eu possa falar do que eu realmente quero, pularei a parte biográfica.

Seu último livro, lançado recentemente, foi para mim uma grande surpresa. Em alguma parte alguma foi definitivamente muito mais do que eu esperava.

Seus poemas abordam vários assuntos. Desde bananas que apodreciam na venda de seu pai e que deixaram no poeta memórias, até aranhas em livros, universos e a fragilidade da consciência. Talvez a importância e minha afinidade com esse livro foram muito pessoais, mas acredito que o livro consiga ter um significado especial para cada um. Talvez essa seja a grande mágica dos livros. E de todas as formas de arte.

Sinceramente, eu me perdi muito no que ia falar e para evitar sair falando bobagens que poderiam acabar tirando o interesse pela leitura, eu vou copiar alguns trechos preferidos...


FICA O NÃO DITO POR DITO

(...)

mas é que

antes de dizê-lo

não se sabe

uma vez que o que é dito

não existia

e o que diz

pode ser que não diria


(…)


assim

o poeta inventa

o que dizer

e que só

ao sabê-lo

vai saber

o que

precisava dizer

ou poderia

pelo que o acaso dite

e a vida

provisoriamente

permite


UMA PEDRA É UMA PEDRA

(…)

e assim

o homem tenta

livrar-se do fim

que o atormenta


e se inventa


Em Alguma Parte Alguma

Ferreira Gullar

Ed. José Olympio


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Alfredo da Rocha Vianna Filho

"Meu nome completo é Alfredo da Rocha Vianna. Nasci em 23 de abril de 1898, no bairro da Piedade. A rua não posso precisar. Para o meu irmão Léo foi na Rua Alfredo Reis, mas para o João da Baiana e o Donga, foi na Rua Gomes Serpa. O número da casa ninguém sabe ao certo. Só vendo o registro de batismo feito na Igreja de Santana. Meu pai chamava-se Alfredo da Rocha Vianna e minha mãe Raimunda da Rocha Vianna. Meu irmão Léo acha que o nome era Raimunda Maria Vianna".

Talvez muitos nunca ouviram falar desse nome, mas com certeza, já ouviram falar dele. Alfredo Vianna Filho, ou mais conhecido como Pixinguinha, nasceu no dia 23 de abril (Dia Nacional do Choro – por que será?) de 1897. Mal começamos e já temos uma história engraçada. Até 1968, quando se comemorariam os 70 anos do músico, acreditava-se que ele tinha nascido em 1898. Foi então que Jacob do Bandolim foi até a Igreja de Santana, no Centro do Rio de Janeiro, e pediu uma cópia da certidão de batismo e descobriu esse “erro”. De qualquer forma, as comemorações de “70” anos continuaram.

Desde muito cedo Pixinguinha já era um gênio. Gravou pela primeira vez com 13 anos de idade e revolucionou o choro “quadrado” da época. A paixão pela música foi inciada pelo seu pai, flautista, de quem ganhou o primeiro instrumento, a flauta. Seu pai não se preocupava somente com a educação musical. Pixinguinha estudou durante um tempo no Colégio São Bento, mas matava aula para ir tocar no local na Lapa, onde teria seu primeiro emprego. Segundo ele: “Às vezes, ia lá com a farda do São Bento”.

Sua banda mais famosa teve um início curioso. Pixinguinha foi chamado pelo proprietário de um cinema famoso na época (Cinema Palais, na Av. Rio Branco) para que montasse uma banda para tocar na sala de espera. Nascia assim os Oito Batutas, integrado por Pixinguinha (flauta), Donga (violão – quem gravou o primeiro samba: Pelo Telefone), China, irmão de Pixinguinha (violão e canto), Nélson Alves (cavaquinho), Raul Palmieri (violão), Jacob Palmieri (bandola e reco-reco) e José Alves de Lima, Zezé (bandolim e ganzá). Como dizia o letreiro de forma profética: “A única orquestra que fala alto ao coração brasileiro”.

Em 1942, fez a última gravação como flautista. Ele nunca explicou direito a troca para o saxofone, embora se acredite que o consumo excessivo de bebida o teria feito perder a embocadura para flauta. De qualquer forma, Pixinguinha continuou brilhante no saxofone. Uma de suas parcerias de maior sucesso foi com Benedicto Lacerda, com quem enriqueceu mais ainda a nossa música. É esse o disco que aconselho hoje: Pixinguinha e Benedicto Lacerda, de 1966 (http://umquetenha.org/uqt/?p=5951).

Musicalmente, Pixinguinha sempre esteve à frente de seu tempo. Seus arranjos, suas composições saíam do normal, do comum da época. E como dissemos, seu brilhantismo não se limitou à flauta, ele foi um gênio no saxofone também. Compôs lindos e eternos choros, como Sofres Porque Queres, Carinhoso e Odeon. Críticas sofreu muitas; acusavam-no de sofrer influência do jazz e que sua música não seria nunca do gosto popular.

Preciso contar duas histórias curiosas. A primeira, em 1971, foi um daqueles momentos que levavam seus amigos a considerá-lo santo. Sua mulher, dona Beti, passou mal e foi internada. Dias depois, foi ele acometido de mais um problema cardíaco, foi também internado no mesmo hospital, mas, para que ela não percebesse que também estava doente, colocava um terno nos dias de visita e ia visitá-la como se estivesse vindo de casa.

A segunda é mais triste, pois se trata de sua morte. No dia 17 de fevereiro de 1973, quando se preparava para ser o padrinho de uma criança na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, sofreu o último e definitivo enfarte. A Banda de Ipanema, que fazia naquele momento um dos seus mais animados desfiles, desfez-se imediatamente com a chegada da notícia. Tinha morrido um gênio, um deus.

Se você tem 15 volumes para falar de toda a música popular brasileira, fique certo de que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa: Pixinguinha.” Ari Vasconcelos.

Se não tivesse nascido Vinícius, queria nascer Pixinguinha.” Vinícius de Moraes


A bênção, Pixinguinha

Tu que choraste na flauta

Todas as minhas mágoas de amor”

Vinícius de Moraes


Seguem dois vídeos. O primeiro, Benedicto Lacerda e Pixinguinha tocam Carinhoso. O segundo, Pixinguinha, Baden Powell e João da Baiana tocam Lamento. Salve São Pixinguinha!